Ela estava no banheiro. Encarava-se no
espelho embaçado tentando descobrir a si mesma. Na pia havia sangue,
e suas mãos tremiam demais para ligar a torneira. Enrolada apenas em
um roupão, reconstituía os fatos daquela noite.
Atreveu-se a ir até a sala. Uma
garrafa de vinho, cacos de vidro pelo chão, sangue, um homem,
sangue, um corpo, sangue, seu amor. A cena provocou-lhe ânsia, e
apesar do ato cometido aquela noite, não lhe eram de costume tais
circunstâncias. Foi então que aquele vinho lhe atraiu. Embebedou-se
o suficiente para esquecer a culpa.
Agora sentada no sofá da sala, de
pés descalços, com o roupão entreaberto, em meio aquela
carnificina, admirando o sangue em suas mãos que não mais tremiam,
levantou-se, e foi até sua cozinha. Abriu uma das gavetas e correu
seus dedos finos pelas facas. Escolheu a mais afiada. Encheu a
banheira com água morna e banhou-se. Limpa daquele sentimento
fúnebre, ainda nua, pegou a faca que havia deixado sob a pia do
banheiro e sentenciou a própria morte.
Meia noite, ela acabara de sair do
banho. Sorria, pois logo ele iria chegar. Estava secando suas pernas
branquinhas, quando alguém bateu a porta. Apenas vestiu um roupão e
soltou seus longos cabelos morenos. Foi até a porta, e quando abriu,
seu sorriso desmanchou. Viu apenas aquelas mãos gigantes
agarrando-lhe a cintura, o cheiro de álcool, e a garrafa de vinho na
mão. Ela debatia-se desesperadamente, tentando fugir daquela
criatura grotesca.
- Vamos linda, colabore com o último desejo de seu marido.
- Último desejo? - Balbuciou.
- Ele gritou seu nome antes de eu o matar.
Sua visão escureceu, o chão sumiu,
viu apenas um vaso de flores ao alcance. Cacos de vidro, sangue e um
homem morto em sua sala. Seu amor, sangue, um corpo, sangue, uma
faca, sua morte.
Phoebe O'Connor
Nota: Esse é o outro texto selecionado para o Liberarte. O pseudônimo assinado é o nome da personagem principal do livro "Uma história a três", que, aliás, vale muito a pena ler.
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