sexta-feira, 27 de março de 2015

Lápis Cor de Cinza

  Acordo. Abro a minha janela para entrar um pouco de luz, embora a vista seja para um muro de tijolos mofados. Preparo meu café. Lá fora o tempo esta nublado. Visto minhas roupas cinzentas e prendo meu cabelo negro em um coque. Bebo meu café e vou para a loja onde trabalho, uma livraria monótona em um beco da cidade. No ônibus olho para fora e penso se em meus vinte e sete anos aproveitei realmente a minha vida. Vânia, como sempre, entra no ônibus, com suas olheiras que mostram claramente o quanto aproveitou a noite anterior. Olho para ela e imagino se ela é mais feliz que eu. Sei que sim.
  “Eu me chamo Ana. Um nome simples como eu. Escrevo esta carta para os meus pais, mesmo eles já não podendo mais ler. Para o meu marido, mesma ele já não se importando mais. Escrevo para dizer que eu sempre gostei dos dias chuvosos e das rosas vermelhas. Dizer que eu sempre quis beijar outra mulher. Que eu sempre gostei de pipas, pássaros e da cor azul. Que a igreja nunca me fez feliz. Que eu não me sinto bonita, que sempre quis me tatuar e que nunca bebi mais que um gole de álcool. Escrevo essa carta para dizer que as cores que eu colocava no meu mundo quando pintava já não me satisfazem mais. Dizer que eu amo a todos, e sempre amarei, mas que eu sei que não faço parte mais desse mundo.”
  Desço do ônibus com a carta em mãos, não para o meu trabalho, mas para um lugar adequado ao fim. Entrego a escrita para um desconhecido, que hoje, é o que de mais próximo eu possuo. Prossigo. Quando chego ao local, me ponho na ponta dos pés e sinto o vento me puxar. É leve. É como ser uma pipa que não escolhe para onde vai, e apenas segue o rumo daquilo que lhe guia. É maravilhoso. De repente, sinto uma mão tocar meu ombro. Posso sentir sua energia percorrer o meu corpo. Assustada, olho para trás. Vejo o desconhecido, com uma das mãos e mim, e na outra mão uma rosa vermelha. Um raro sorriso se abre em meu rosto. Lágrimas surgem em meus olhos. E então eu sei que tudo ficará bem.

  Poderia ter dito não, mas algo que eu já não sentia, e talvez, nunca senti, em mim aflorou. Embora eu não soubesse bem o que era, ao descer do parapeito daquela ponte e me jogar no colo do seu peito, aquele aconchego me consumiu desde o pé, até a ponta dos dedos da mão. Ele me segurou, olhou em meus olhos, me disse o quão bonita eu era, e como meu corpo emanava um maravilhoso tom de azul. Chorei. Sorri. Vivi. Dormi com ele aquela noite, como eu desejava. Usei um vestido colorido, não cinza, como eu queria. Deitei no seu abraço, e não conseguia parar de pensar em que belo quadro eu desenharia no outro dia. 

terça-feira, 3 de março de 2015

Confronto final

Talvez, um não seja o suficiente,
Talvez eu queira todos os sabores do mundo.
Talvez eu não queira acreditar que seja apenas isso,

Que não há mais pelo que lutar,
Que todos os objetivos foram alcançados,
Que eu estou bem.

Talvez eu não queira estar bem,
Talvez eu não queira me conformar,
Talvez eu ache que é pouco para mim.

Provavelmente seja.
Provavelmente eu queira mais.
Provavelmente eu mereça mais.

Eu nunca saberei.

Talvez.


Não sei.