Acordo. Abro a minha janela para
entrar um pouco de luz, embora a vista seja para um muro de tijolos mofados.
Preparo meu café. Lá fora o tempo esta nublado. Visto minhas roupas cinzentas e
prendo meu cabelo negro em um coque. Bebo meu café e vou para a loja onde
trabalho, uma livraria monótona em um beco da cidade. No ônibus olho para fora
e penso se em meus vinte e sete anos aproveitei realmente a minha vida. Vânia,
como sempre, entra no ônibus, com suas olheiras que mostram claramente o quanto
aproveitou a noite anterior. Olho para ela e imagino se ela é mais feliz que
eu. Sei que sim.
“Eu me chamo Ana. Um nome simples como eu. Escrevo esta carta para os
meus pais, mesmo eles já não podendo mais ler. Para o meu marido, mesma ele já
não se importando mais. Escrevo para dizer que eu sempre gostei dos dias chuvosos
e das rosas vermelhas. Dizer que eu sempre quis beijar outra mulher. Que eu
sempre gostei de pipas, pássaros e da cor azul. Que a igreja nunca me fez feliz.
Que eu não me sinto bonita, que sempre quis me tatuar e que nunca bebi mais que
um gole de álcool. Escrevo essa carta para dizer que as cores que eu colocava
no meu mundo quando pintava já não me satisfazem mais. Dizer que eu amo a
todos, e sempre amarei, mas que eu sei que não faço parte mais desse mundo.”
Desço do ônibus com a carta em
mãos, não para o meu trabalho, mas para um lugar adequado ao fim. Entrego a
escrita para um desconhecido, que hoje, é o que de mais próximo eu possuo.
Prossigo. Quando chego ao local, me ponho na ponta dos pés e sinto o vento me
puxar. É leve. É como ser uma pipa que não escolhe para onde vai, e apenas
segue o rumo daquilo que lhe guia. É maravilhoso. De repente, sinto uma mão
tocar meu ombro. Posso sentir sua energia percorrer o meu corpo. Assustada,
olho para trás. Vejo o desconhecido, com uma das mãos e mim, e na outra mão uma
rosa vermelha. Um raro sorriso se abre em meu rosto. Lágrimas surgem em meus
olhos. E então eu sei que tudo ficará bem.
Poderia ter dito não, mas algo
que eu já não sentia, e talvez, nunca senti, em mim aflorou. Embora eu não
soubesse bem o que era, ao descer do parapeito daquela ponte e me jogar no colo
do seu peito, aquele aconchego me consumiu desde o pé, até a ponta dos dedos da
mão. Ele me segurou, olhou em meus olhos, me disse o quão bonita eu era, e como
meu corpo emanava um maravilhoso tom de azul. Chorei. Sorri. Vivi. Dormi com
ele aquela noite, como eu desejava. Usei um vestido colorido, não cinza, como
eu queria. Deitei no seu abraço, e não conseguia parar de pensar em que belo
quadro eu desenharia no outro dia.
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